quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Franklin Jorge - ISSO É QUE É

[capa:Vicente Vitoriano]


Isso é que é [ Edições Clima, 1980, Natal-RN ] reúne 13 poemas de Franklin Jorge e, em uma segunda parte, traz uma coletânea poética composta por: Cairo Assis Trindade, Glória Perez, Leila Míccolis, Nicolas Behr, Paulo Azevedo Chaves, Socorro Trindad, Tony Pereira, Ulisses Tavares & Vicente Vitoriano.

A produção de Franklin, neste livro, é marcada por uma das principais características da chamada geração mimeógrafo: a busca pela unidade entre modo existencial e prática intelectual. O poeta, com uma dicção bem-humorada, beirando a instantaneidade, em alguns casos, sintetiza a década de 1970, com seus horrores e suas consequentes fugas. No poema Gosto de Coca-cola, por exemplo, quando aponta as "tetas" como um "refúgio", para a fuga do terror por não se saber o que se passa "debaixo do pano", como parece sugerir o poema Tesão, que poderia ser facilmente ser chamado de " Tensão".

Jorge, com um verso "rápido e rasteiro", auxiliado pela linguagem coloquial, elege como ferramenta de poesia o que há mais próximo de si, a sua realidade mais imediata, e impregna o texto de momentos, numa espécie de poema-diário, onde reina o tom de registro, quase confessional, uma descrição minuciosa do que há de mais íntimo nas suas personagens e no seu tempo que segue  sendo atemporal.
Tais características não são gratuitas, fazendo parte de uma postura propositalmente de encontro aos valores morais e institucionais vigentes à época, marcada pela retomada do carpe diem elevado ao extremo, num culto ao momento e à intensidade, o que viria a ser a bandeira ideológica de uma geração.

Franklin Jorge nasceu em 8 de setembro de 1952, em Ceará-Mirim/RN. Com 20 anos parte para o Rio de Janeiro; e, nessa época, publica, em parceria com a poeta Leila Míccolis, o seu primeiro livro Impróprio para menores de 18 amores (1976), sendo reconhecido pela professora e pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda como uma das vozes mais consistentes da geração mimeógrafo.

Como Jornalista, morou em vários estados brasileiros e, em poesia, ainda publicou Poemas diabólicos & dois temas de satã (1982). Também dedica-se à prosa, tendo publicado vários livros e contando em seu acervo com mais de 100 livros inéditos, a maioria inspirada nas suas viagens pelo interior do Rio Grande do Norte. Atualmente reside em Natal.


                                                                                                                             

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Poemas do "ISSO É QUE É" (1980), de autoria de Franklin Jorge.



QUASE PREFÁCIO

Diante de tudo isto,
os beletristas
hão de censurar,
no mínimo,
a minha falta
de estilo.

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ARTE POÉTICA SEM MARMELADA

Sou, no poema,
o pedaço;
a chaga exposta
às moscas.

Sou, no poema,
a pedra;
o soco na boca.

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TEMPOS MODERNOS

Diante da tv a cores
- comprada a prestações -,
goza o poeta, iludido
pelo olhar de Ney Latorraca.

***

TESÃO

Há qualquer coisa
acontecendo
por debaixo do pano.

***

PEDRO OU PAULO

Não precisa fingir:
assim é a vida
e estou mesmo cansado
de saber
que sou um bom rapaz,
diferente dos outros.
Jogue fora o cigarro,
vamos logo acabar
com essa história.

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GAROTO DA AVENIDA CIRCULAR, OLINDA

Lamento dizer,
você não foi
o primeiro
a confessar
que sou uma joia
nem será o último
que me fode
dentro de um velho
automóvel.

***

QUEBRANDO A LOUÇA

Solidário,
concedo-me ao prazer
do viajante do ônibus
que, por causa do aperto,
goza no meu ombro.

***

MATADOURO

Meu amor
repete diariamente
que sou gostoso
e tenho pique.
E assim vai me fodendo
                            todo,
inclusive a vida.

***

HORA DA NOTÍCIA

Somos os heróis
de uma espantosa
telenovela
em preto e branco
que ninguém
quis escrever.

***

GOSTO DE COCA-COLA

A Sociedade de consumo
é uma velha porca
cheia de peitos.
Cada peito, uma droga.

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NOVOS PROVÉRBIOS DO INFERNO

              A Cineas Santos, Adinoel Motta Maia,
           Paulo Azevedo Chaves e Rogaciano Leite Filho


1. Deus escreve incerto
por linhas tortas
coisas que a ninguém
importa.

2. Enquanto o justo
não se regalar
no banquete do tirano,
não saberá o gosto
da omissão.

3. Porém, quando o coração
              está cheio,
a boca transborda,
e a mão desata o poema.

4. Se o barco faz água,
fogem os ratos;
ficam os homens
para consertá-lo.

5. A calmaria corrompe
mais que o furacão.

***

NO DIA DOS FILHOS

Rainha do lar
e anjo de candura,
mamãe é um exemplo
de virtudes cristãs.

Seu maternal prazer
consiste
em preparar-me
para o sacrifício.

***

QUASE POSFÁCIO

Eu queria matar
de vergonha
os beletristas
que tremem e coram
diante da palavra cu.


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