quinta-feira, 13 de abril de 2017

Nei Leandro de Castro - Romance da Cidade de Natal

[capa: lúcio weick]

Publicado em 1975, pela FJA, Romance da Cidade de Natal é o quinto livro de Nei Leandro de Castro. Na nota introdutória, ou "Nota pouco explicativa", Nei Leandro diz que o livro foi escrito em 1964, mas que desiludido por muitas coisas, incluindo a poesia, resolveu esquecer do livro. Só onze anos depois, o autor reencontrou o livro, na verdade sua esposa, Sandra, e dessa vez quis ver os poemas impressos. "Certas descrições do livro já não correspondem à paisagem da cidade, onze anos depois", diz Nei. "Mas deixei como estava. Para mim a cidade é a mesma."

O Romance... é dividido em duas partes: A cidade: um ser vivo e Os habitantes e as danças, cada qual dividida em diversos "capítulos" descrevendo as figuras, os costumes e os locais históricos da cidade, escritos em quartetos.

Abaixo alguns poemas do livro:

***


O bairro, hoje, sequer lembra
a Ribeira da vã glória
que construiu seu império
com o Trampolim da Vitória.

Os aliados que da prancha
saltavam para Dacar,
de volta compravam a dólar
as noites do Wander Bar.

O bairro perto das Rocas,
mas em essência distante,
era o círculo vicioso
da riqueza circulante.

Hoje é armazém geral,
comércio por atacado,
onde também se computa
varejo de outro mercado:

o meretrício ali
é transação no que esta
de mais usurário esconde
e ao mais sujo se presta.

Ali, comércio e comércio
funcionam noite e dia.
Quando os armazéns se fecham,
renova-se a freguesia

da Rua 15 de Novembro
(calendário nacional
que é menos rua que cama
no bairro comercial)

e do Beco da Quarentena
que, imprensado entre armazéns,
conserva o claro mistério
que todo beco contém.

***

Em Natal, o mar da costa
- desde o Forte a Pirangi -
faz sete praia distintas,
uma a uma, de per si.

Não existem demarcando-as
limitações naturais.
A cerca que há entre elas
é o homem quem a fez.

A dádiva do mar é a mesma,
o igual verde desabando.
O que modifica as partes
dessa costa, dá-se quando

parte da população,
entre os prazeres do ócio,
elege seu balneário
como quem faz um divórcio.

Isto é: sendo impossível
a prática divorcista,
em vez de mudar de cônjuge,
muda de praia o banhista.

Daí notar-se nas praias
discriminação social:
à costa eleita dos ricos
é intruso quem, do Areal,

vai lá, banhar-se aos domingos.
(Guarda-se o desnível igual
entre Brasília Teimosa
e a Assembléia Estadual.)

Assim, uma a uma, as praias
todas serviram num tempo
ao burguês, até cair
no seu descontentamento.

Há exceção, feita apenas
à Praia de Mãe Luísa,
talvez pelo vento forte
que substitui a brisa.

Ou então, direi melhor:
pela sua solidão
que por pura, quase crua,
é refratária ao cifrão.

***

Brasília Teimosa, do alto,
é um ponto escuro que avança
paralelo com a costa
e deixa no branco mancha.

O ritmo que imprimiu
à construção deu batismo
ao nome do bairro que
surgiu do paroxismo

do povo crescendo em massa
consciente, sem um teto,
diante da terra livre
sob controle secreto.

O adjetivo proveio
da dura obstinação
do povo em levar ao fim
a interdita construção.

Brasília Teimosa já
nasceu semidemolida:
pela ruína das casas,
pela faixa proibida

Onde surgiu, clandestina,
de repente levantada
entre a hora que antecede
e termina a madrugada.

Mas, demolida, se pôs
novamente no outro dia,
alimentada das cinzas
de sua mitologia.

E ergueu-se tantas vezes
pela força misteriosa
do povo, que permanece
ali: Brasília Teimosa.

***

Albimar Marinho

A lenda e o mito vestem o homem
e a história, depois
de filtrados pelo tempo
que a verdade decompõe.

Mas, mesmo em vida, a lenda
já veste Albimar Marinho
que às noites da cidade
transfunde plasmas de vinhos;

que pranteia todo morto
(anônimo parente afim)
e o saúda quando baixa
no cemitério do Alecrim;

que, na escala da província,
na lucidez de um lírico,
distribui cesta de pães
aos elefantes do circo.

Sobre Albimar Marinho
pelo tanto que ele fez,
em torno de sim já cabe
o póstumo era uma vez.

***

Luizinho Doublecheque

Luiizinho Doublecheque,
dublê de mendigo e rei,
irmão de opa nos bares,
soberano em sua grei.

Rei retórico apontando
as falsas soberanias
ressurgidas todo ano,
por trama, nos quatro dias

de carnaval. Luizinho
morto, um dia, antes da hora
e levado numa rede
por avenidas a fora.

Morto, depois, muitas vezes
nas mesas, copo na mão,
quando a aurora e o conhaque
paravam seu coração.

Enfim, pressentindo a morte
exata que lhe chegava,
visitou todos os bares
onde, só, reimendigava.


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