segunda-feira, 8 de maio de 2017

Black Out - Duas Cabeças

[Foto: acervo do Instituto Franklin Jorge]

     "Adeus: cinco letras que choram." Esta foi a última frase do poeta Blackout para o livreiro Abimael Silva, em visita ao Sebo Vermelho, no Centro de Natal. Dois dias depois, a 14 de Dezembro de 1999, o poeta foi eletrocutado, ao fazer um 'bico' numa residência do seu bairro, e se encantava de vez deste mundo.

***

    Blackout, pseudônimo de Edgar Borges, foi poeta, pintor de paredes e eletricista, radicado na cidade do Natal, no bairro de Mãe Luiza.
      Sobrevivia de fazer 'bicos' e de trocar seus poemas por dinheiro ou refeições no café São Luis, no centro de Natal. Sua vida se dividia, muitas vezes, entre as ruas e as noites passadas no Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado, na capital potiguar. Durante o tempo que ficou internado, o psiquiatra Franklin Capistrano, que também se dedica à literatura, o diagnosticou com hebefrenia, uma perturbação psíquica que se desenvolve ao término da puberdade.
     Lembrado por todos pelo seu estilo excêntrico de vestimenta,  era perseguido pela polícia por ser pobre e, sobretudo, por ser negro. No entanto, esse racismo não era (é?) praticado apenas pela polícia, o que pode ser verificado na exclusão do poeta de importantes antologias e trabalhos acadêmicos sobre a produção poética no Rio Grande do Norte. Infelizmente Blackout caiu no esquecimento e acabou se diluindo na memória dos natalenses, à la "memória do Brasil", um poema visual de sua autoria.
     Em 1981, aos 20 anos, publica pela Cooperativa dos Jornalistas de Natal (COOJORNAT), com a ajuda de amigos, seu primeiro e único livro intitulado "Duas Cabeças", numa edição bem simples. Além disso, participou da antologia "Geração Alternativa", organizada por J. Medeiros e, também,  publicou alguns  poemas dispersos em jornais locais, todos completamente inéditos em livros.
    Informações sobre o poeta são de difícil acesso ou inexistentes. Com o intuito de resgatar um pouco da sua memória e torná-la acessível ao público, a Poesia Subterrânea está preparando uma nova postagem com artigos jornalísticos, relatos e poemas, tudo relacionado ao ícone da geração marginal natalense.
      E, para concluir, ninguém melhor do que o próprio poeta, para falar de sua própria vida, abaixo segue uma pequena autobiografia presente no início do seu livro*:

* A biografia e os poemas transcritos abaixo diferem dos originais apenas no que diz respeito à atualização da ortografia, onde era cabível, sempre com o cuidado de preservar as marcas da escrita do poeta.



     "Nasci a 16 de outubro de 1961. E comecei a despertar meus sonhos quando criança porque na época passei por diversas condições. Indo estudar num Colégio Interno; este mesmo pertencia ao Governo do Estado.

    Depois fui encaminhado para o Ginásio Agrícola de Currais Novos, onde tive o prazer de conhecer mais de perto, todas as barras que passam um ser humana para conseguir sua identidade.

   Andei bastante para alcançar este cálice e aqui confesso o pouco que aprendi está aqui nestas páginas cansadas e de tantas lutas, onde a cada dia procuro a finalidade de um EU.

     Agora faço uma pequena pausa para agradecer todas as pessoas que fazem parte desta mesma maratona. Incentivo abertamente... persista que jamais será vencido por outras palavras.

                                                   
                                                                                              O autor
                                                                                           
                                                                                                        Edgar Borges."


Ayrton Alves Badriah





***

 
[Capa: Vicente Vitoriano]


Segue abaixo todos os poemas presentes no "DUAS CABEÇAS".






***

COMPOSIÇÃO




E
X
AMEOPOEMA
O
E
N
AMETEMA



***

MINHA MÃE - Minha Vida
MINHA VIDA - Minha Mãe


Eu vejo
a natalícia se vindo
e não sei como acorjar o coração
desta nobre senhora que por ventura
me trouxe a esse mundo pequeno e cheios
de mistérios.

Mas com o passar do tempo
o meu corpo ficará inerte
e minha alma dirá aos muros
da cidade que a ama sem plágio
e sem violência.
Minha mãe
minha vida, meu tudos
só ela marca
meu sentimento traçado e colorido.
Ela me ensinou a dizer sim
a todas as pessoas que me cerca, e aprendi
logo cedo a expulsar o não que em mim morava.
 

Não quero convencer-me
e sim dizer-te de mim

do meu sentimento que está marcado por você
MINHA AMIGA MAIS QUE MEU SANGUE.
Há momentos
que crio casos ser experiências; mas
isto é o pudor da ausência faz
que manifesta-me e dizer coisas milenares que
não leva a nada.
Mas só agora 
foi que me encontrei
e descobri nobres pensamentos para Ditar-te,
onde por acaso surge
EU e VOCÊ!

Endereço efusivamente a minha mãe
meu ofício
meu viver

***

ALEGRIA

Na mesma praça
eu conto
eu canto
faço melodias

Na mesma estrada
eu ando
eu traço
eu acho
eu passo a rir...

Na mesma hora
eu marco
eu cato
eu subo a te,
faço descer;
mas estou aqui.

No mesmo instante
eu perco
eu planto
eu sambo e faço nascer.

***

GRANDE PONTO


A você Ana 
que andou
fitou
e não me viu...
no grande ponto.

A você Ana
que se vestiu de rainha
Acanhada
e se fez de Bruminha no...
grande ponto.

A você Ana
que comprou confetes
e se fez de sambista
nesta Avenida
empoeirada de sonhos... 

A você Ana
que alimenta todos os dias
sua saliva
com a velha guarda
no Café São Luis.

A você Ana
da praça
da raça
das prosas que é

A você Ana
com a certeza de SER
não precisa TER
sempre será a junção
em meu punho na marcação de um dia

NOVAMENTE TE ENCONTRAR

***

CERTAS PALAVRAS

Minha poesia
é raiz
é o ritmo percute
de uma rima
à lançar
sou amplidão em versos.

***

PROVERBIO NATURAL

Aprendi poesia 
sem ir ao colégio...
porque a vida é uma 
escola.

***

REDINHA

Ah! redinha
dos meus sonhos
dos meus encantos
ah! redinha
se eu pudesse
transformar toda essa beleza
em meu coração.
seríamos um oceano
um canto a paz
nas ondas do mar
ah! redinha
dos meus veraneios
do bate papo no gavião
ah! redinha
da tristeza
da alegria
do paraíso onde me dividi
ah! redinha da castanha
do corre corre atrás do cajú
Esperando a festa chegar
ah! redinha
dos sábados e domingos
da tapioca, do peixe frito na tenda de dona Dalila 
e o seu esposo Geraldo Popular
ah! redinha
das jangadas
do poderoso homem do mar
o pescador que sabe cantar
ah! redinha
da brisa, do vento em meu sentimento apaziguado

***

TERRAS DA VIDA

Teu corpo está no chão
o que fazer
para conseguir o pão?

Tua voz está nas ruas
o que fazer
para conseguir o grão?

Ah! as forças 
estão aqui para dividir
teu pedaço da terra prometida.

E por sinal singular
e que por tantos são partidas...
Vejam só o que restou da vida...


***

INTERROGO AO AR

Queria me sentir livre num campo,
numa cidade ar.
queria me substituir
pelo verde que não há
Que jamais será florido
Será?

***

"EU" 

Eu sou um sonho
ou talvez um pensamento
jovem que gosta da vida
Eu vim pregar a prece
atual em poesia...
sem rimas e sem fantasias
Deixe-me dividir
para todos os dias
Sou um sonhador da paz
da fome
e da alegria.
E vocês são os sonhos
Um canto (meu reino)
um prazer que jamais será imitável...


***


MEXA-SE

Sorria para o mundo
com seus dentes bem refinados
e verás o óbvio
Grite no quarto ao entrar,
para que haja paz
e no amanhecer
me diz o resultado
Espero que não use o corpo
e sim seu copo de sanue positivo
A paz, a paz, a paz.

***

CARTOLA

Cartola
uma rima ao vento
um canto de paz
um canto de liberdade
nos meus dedos nobres

Cartola
um rio de poesias em prantos
um vento em leve
na brisa do mar

Cartola, foi mais que uma carta ao
mundo...

Cartola
um símbolo em meus versos

***

MÉDICA COSTUREIRA

Tu veste sã
tua pele em lã
meu corpo em rã
livre e em vão...
és a cura da nudez.

***

VIVA O POETA POTIGUAR

Viva os poetas Brasil-potiguar
Que traz em cordel suas folhas desenhadas
De um passado que agora brota. 
Viva os poetas Brasil-potiguar
Que caminha as ruas ambulantemente
Para soprar em vós um hino que muitíssimas
das vezes deixou de cantar.
Viva os poetas Brasil-potiguar
Por saber que existe "frutos"
De uma bandeira que a acada ano é hasteada
Ela é a árvore do meu olhar
Que a cada instante cronomentadamente
questiono.
Viva os poetas Brasil-potiguar
Que moram na esquina da brisa do mar
Marcando sua grita ao canto da sereia.
Viva os poetas Brasil-potiguar
Da minha terra
De nossa gente
De minha gente
Da nossa terra potiguar.

***

TEORIA

Eu poderia ser um rei,
mas sou um castelo.
Eu poderia ser algo,
mas sou um espírito.
Eu poderia ser igreja,
mas sou a bíblia.
Eu poderia ser um cigarro,
mas sou um cinzeiro.
Eu poderia ser dramas,
mas sou mímico.
Eu poderia ser sinal,
mas não vejo trânsito.
Eu poderia ser a guerra,
mas sou a paz.
Eu poderia ser o réu,
mas sou o juiz.
Eu poderia ser um adolescente,
mas sou o meninico.
Eu poderia ser poeta,
mas sou a poesia.
Eu poderia ser a morte,
mas sou a vida...
Eu poderia ser a ironia,
mas sou a teoria. 


***

CANTO À PAZ

Urra povo
grita gente
fala bandeira
que o mastro te faz em festa
Sopra surpresa...
que o vento 
te leva a procura
da paz em canto

***

MORTE

A flor da pele
[ilegível] jeito são de ser
em mesmo sendo
terceiro mundo.

* O poema, devido a cópia do livro se encontrar bastante danificada, possui partes ilegíveis.

***

POESIA SOBRE MIM

Poesia é meu sentimento calado

deixando-se exaltar
são palavras
que para muitos se dar
mais que para mim é vida.
Poesia é ser unido ao prazer
expressão companheira 
em nosso coração
é gota de sangua
no meu cérebro poético
e cheio de imaginações
imagino que sou
poesia sentida
ou vivida por ser.

***

CONJUGAÇÃO POÉTICA


Tu poetisas,

Eu a poesia,
Ele é poeta
Vós o dia a dia...
Nós somos poetas.

 ***

VERSO PASSAGEIRO


Caminha ali

aqui...
coisas de um povo...
passa, grita, sussurra
e nada de novo...
Está completo, vivido,
ou vivido a branca cor
de um poeta esquecido
nas avenidas.

***

TRISTEZA


Serena paz

Gota de paixão
Um rei em meus versos de amor
Ou um laço de chuva
Em meus olhos cheios de dor.

***

TEMA


Enquanto pensarem 

que sou antônimo 
direi em silêncio
que sou sinônimo de mim mesmo.
Enquanto vender
palavras são sabidas
em vitrines.
EU SEREI POETA.
Enquanto disserem 
que sou um negativo
gritarei em alerta...
que a poesia é um discurso.

***

MILHÕES


Dividido par

Só dá ímpar
multiplico por quatro operações
E só dá frações
Resultado:
Nunca pensei que a vida fosse uma 
matemática ensaiada.

***

CIRCUITO FECHADO


Tudo começou quando pensei que estava 

de férias
mas, imaginei logo que, tudo não passava
de um CIRCUITO FECHADO
quer dizer, todas as percepções eu trata
va de impressionismo, isto é para a    re
velia dos demais que assim avistava.
Ali nunca ninguém sonhou com a paz
porque a balança era PRESA/PRONTA/PAR 
TIDA.
Ah! deixe-me concentrar puramente como vo
cê, dita vida.
antes que o meu cérebro não imagina...
que acolá n~es-ta-va.

***

R/EVOLUÇÂO


Tinha 15 anos

quando a palavra não era dita
Tinha 20 anos
quando o livro não era aberto
até a penúltima página
Tinha 30 anos
somados, rascunhados na minha própria favela
onde trasportava todos os dias sonhos de 
morro a morro
Tinha 40 anos
quando o sucesso era verde e amarelo
no bê a bá da minha escola
Ah! tinha muitos anos para viver em Cuba...
mas num ato infeliz
fuzilaram-me... 

***


PONTOS DE VISTAS


Façam amizades:

que nunca serão vencidas
pelo inimigo.


* * *

Se a gente fosse como um jardim
seríamos nós
a verdadeira flor do Éden.

***

AO MEU AMIGO (IRMÃO)

             VÔMITO


Este veneno líquido que corre em tuas veias
Que fere teu corpo
É um vício aos membros,
Que ao passo de tudo
Você poderia
Você pode ser um vitorioso
a este [ilegível]
Tente conter
O que não está contido na sua veste (viver)
Só te aceito
Quando esporrar
Todo este vômito ao mundo
Porque foi aqui
Que aprendeste
E aqui grito baixinho
Aos principiantes: Há de lavrar este pó em
consumo.


* O poema, devido a cópia do livro se encontrar bastante danificada, possui partes ilegíveis.

***

DEMOCRACIA

Meu livro 
é uma reta
uma sigla
uma meta.
É um grito
se faz pela poesia
e a poesia faz de mim
um ser democrático.

***

Dedico aos pintores do impressionismo

                     Impressionismo


Eu a moldura
à lonjura
à cintura ser
nos traçados
vocês a mais dura
a imagem em figura
a minha altura.


*** 

Referências:

- Dicionário dos Escritores Norte-Rio-Grandenses: de Nísia Floresta à contemporaneidade. Organizado pela professrora Conceição Flores, UNP, 2014.

- Geração Alternativa: Antilogia Poética Potiguar. Organizada por J. Medeiros, 1997.

- Duas Cabeças. Black Out, COOJORNAT, 1981.


2 comentários:

Braunner Silvestre disse...

Ignorantemente, nos encantamos por Shakespeare; e sem nem ter o prazer, de conhecer inlustres nomes de nossa terra, os deixamos no esquecimento que não nos havia sido revelado até agora. Hoje renasce em mim através das palavras um sonho. Parabéns ao poesia subterranea pelo belo trabalho.

Kalina Paiva disse...

Um poeta da contracultura. Parabéns pelo resgate!