domingo, 20 de novembro de 2016

Antonio Ronaldo - BADULAQUES BOMBONS STARS AFINS (& CERTAS CANÇÕES INCERTAS)


Antonio Ronaldo nasceu em Mossoró, no ano de 1957. Aos 13 anos, mudou-se para Natal. Iniciou sua produção dita "mais séria" em 77, o marco foi o seu livro "Usura colonial ou do incesto histórico entre nós" feito no mimeógrafo, com parceria de Adriano de Sousa.  Publicou também, mimeografados, os livros Matéria plástica (1980), Amante Ladino (1985), e no ano de 2000 publicou BADULAQUES BOMBONS STARS AFINS (& CERTAS CANÇÕES INCERTAS). Seu livro mais recente, Jeans avariado, foi lançado em 2003. Também é um compositor atuante, tendo compostos diversas canções a artistas da cidade¹.

Abaixo alguns poemas do seu livro de 2000:

***

SAUDADE DAS CUCAS LEGAIS

Ó tempora! Ó mores!
Amores atemporais
no templo das tempestades
e das flores
reciclam-se majestades
e seus valores
universais, versáteis e inúteis
tocam-se gozos indizíveis no rádio
Mas eu só preciso dizer é da saudade
a infinita saudade
dos tempos das cucas legais
quando a massa encefálica era o diferencial
mais que esses músculos
hoje proeminentes demais
templo das massas tão-somente fálicas
e do beabá dos bossais
Mas eu só queria dizer é da saudade
das guitarras que hoje quase não solam mais
um tempo bom
de festivais memoráveis
de um rock n’roll que quase já era jazz

***

RETROSPECTOS

os cheiros do passado
eram todos de fruta
nas grutas das garotas
mais marotas
fartos seios
no seio da família
beleza que eu bem merecia
carícias
merenda
Só não ficou delícia
nem saudade
do filme que estrelei
em cinemascope
pilhéria
miséria de longa metragem
ao eco, apenas
Então insistente
daquela canção que dizia:
daqui pra frente
tudo vai ser diferente

***

PURO IMPULSO

Se você me amasse
Narciso
por impreciso que fosse
voilá
eu amassaria estabanado
seu reflexo de papel
mascaria o chiclete da sua boca
cheia de clichês
e até me envenenaria
com seu sêmen
pra todo sempre
amém

***

DEVERAS

Teu rosto
réstia de um totem
colcha de sinais
monte de paixões
Senões empalhados
num mar
de cabelos arrependidos
de toda infelicidade
Penduro-te num cabide
e fecho o armário
na ventura de verter alegrias
forever

                                                               Para Vera Maia
                                                                              in memoriam
***

TEOBJETIVA

Talvez deus exista
e eu possa fotografá-lo
no rosto de um pivete
pardo, esquálido, seminu
E assim
vendo deus
eu poderia multiplica-lo
pelos demais rostos
que, de resto, rastejam
indigentes no planeta
Mas cada flash meu
é uma saída de emergência
pra alma ávida de explicações

***

OUTSIDER

Sou poeta no capricho
curto esse fado porreta,
bicho!
A poesia nunca é um fardo
mesmo a um bardo
fadado ao manicômio
Sou anônimo rescaldo
do insepulto underground
batizado na agonia
outsider
forever
ninguém me verá fardado
na academia

***

CHAPADA DO APODI

Conversa léguas no vácuo subjetivo
e em cima de qualquer objeto possante
posa para o mostruário do bordel
desfila de Rapunzel no jardim de infância
onde trabalha
e nunca falha a força que tem nos braços
maior do que a fé nos laços
escassos da amizade suja que vem e vai
Não crê que mais nada vá modifica sua vida
jamais interrompida em seu livre refestelar-se
talvez estimulada pelo estigma geográfico
ou o lance do tráfico, não sei
esse traço em si não é fundamental

***

RETRATAÇÃO HISTRIÔNICA

Eu sou um rock em vernáculo
gato new-lóki
estoque de espectáculos
pós-graduado no amor
Eu sou esse tesão no espaço
coração em prisma
sem cisma
vocacionado pra índio
em preto e branco
E minha vida rola em cartuns
de boas cores
as dores eu congelo
dão picolé de flagelo
a líricos corantes artificiais
Descortinando o rolé louco
de um dândi chapado
de boca em boca
troca em troca
até o dia
em que me der
sem volta

***

BLASÉ

My darling passeia a altas horas da vida
de cara feia ferida a altos juros de mora
entra em apuros da aurora
de cara cheia
fedida
My darling passeia e enlouquece e tece a teia
frequenta páginas policiais sem o devido asseio
pede licença, diz adeus e eu
espero que deus a abençoe
e alguém abotoe sua blusa
My darling passeia confusa
faísca em si baratinada
a musa
assina embaixo
cumpre à risca a própria sina
se desparafusa
Mas não me acusa de incompreensão
intolerância
e nem tampouco assédio
mesmo assim deixa-me com um despeito morno
pela arrogância desses sacrilégios

***

CRUEL

Gente como eu
não esquece
as crianças
que moram
na lacuna ventilada
desse abandono livre.

***

(¹ - breve descrição feita de recortes do texto publicado no Substantivo Plural pelo Profº Marcel Lúcio, do IFRN Cidade Alta: http://www.substantivoplural.com.br/antonio-ronaldo-um-poeta/ )



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