***
Poema pela morte de Sonia
É preciso deixar sangrar o coração
até a última gota
É preciso secar o olhar
até a última lágrima
É preciso dissecar o lugar comum
e violentar o poema
até a última palavra
até a última gota
É preciso secar o olhar
até a última lágrima
É preciso dissecar o lugar comum
e violentar o poema
até a última palavra
Se no meio da noite o teu grito
perturba a paz do meu sono
e acorda a cidade
perturba a paz do meu sono
e acorda a cidade
Porque foi em mim que a violência e a estupidez deixaram a
marca indelével.
Sobre o meu corpo em ti massacrado
sobre a minha voz em ti estrangulada.
Sobre o meu corpo em ti massacrado
sobre a minha voz em ti estrangulada.
Mas não foi a primeira vez:
sempre estive sob a mira da loucura:
antes já me haviam assassinado
nos jardins de um palácio, na Índia,
e levei tiros à queima-roupa
em frente ao edifício Dakota.
Massacrado, meu corpo foi abandonado na praia de Óstia,
e, não faz muito tempo,
com apenas 13 anos, fui chutado até a morte,
no centro da Capital de São Paulo
por um cidadão de óculos escuros com aros de metal,
ante a indiferença dos passantes.
sempre estive sob a mira da loucura:
antes já me haviam assassinado
nos jardins de um palácio, na Índia,
e levei tiros à queima-roupa
em frente ao edifício Dakota.
Massacrado, meu corpo foi abandonado na praia de Óstia,
e, não faz muito tempo,
com apenas 13 anos, fui chutado até a morte,
no centro da Capital de São Paulo
por um cidadão de óculos escuros com aros de metal,
ante a indiferença dos passantes.
E quantas vezes, anonimamente,
fui torturado nos porões da repressão,
morto na praça,
trucidado.
Sem ninguém saber, fui enterrado como indigente.
Desta vez fui jogado numa cova rasa
num outro Horto de um lugar chamado Bom Jardim
e minha crença no homem foi pisoteada.
Sinto vergonha e medo.
Porque é preciso beber até o fim
a taça da amargura
e comer o pão da violência que nos é oferecida cada dia.
fui torturado nos porões da repressão,
morto na praça,
trucidado.
Sem ninguém saber, fui enterrado como indigente.
Desta vez fui jogado numa cova rasa
num outro Horto de um lugar chamado Bom Jardim
e minha crença no homem foi pisoteada.
Sinto vergonha e medo.
Porque é preciso beber até o fim
a taça da amargura
e comer o pão da violência que nos é oferecida cada dia.
<Outros horríveis trabalhadores virão>
no escuro da noite
completar sua escura tarefa.
Mas nesta hora indecisa
entre a noite e a madrugada
teu corpo estrela brilha
bandeira prateada
na constelação de tanto violentados
estandarte do sonho
semente de esperança
de um mundo melhor.
no escuro da noite
completar sua escura tarefa.
Mas nesta hora indecisa
entre a noite e a madrugada
teu corpo estrela brilha
bandeira prateada
na constelação de tanto violentados
estandarte do sonho
semente de esperança
de um mundo melhor.
Nova
Friburgo, na madrugada de 21 de dezembro de 1983
***
bosco brincou bastante
com os companheiros da vida
bebendo em bules brilhantes
o chá, o cheiro, a chuva
com os companheiros da vida
bebendo em bules brilhantes
o chá, o cheiro, a chuva
beijou bocas bandidas
vampiros vermelhos de verão
depois dançou devagar
burlando briosos bancários
vampiros vermelhos de verão
depois dançou devagar
burlando briosos bancários
bancamos bravos baderneiros
em noites negras de neon
beliscando a bunda da burguesia
e matamos melancolicamente
as ninfas e os delfins
da classe média
em noites negras de neon
beliscando a bunda da burguesia
e matamos melancolicamente
as ninfas e os delfins
da classe média
Carlito/ 1979
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POEMETO
o tempo não gasto
plantou auroras no teu cabelo
fulgurações permanentes
na retina dos meus girassóis
plantou auroras no teu cabelo
fulgurações permanentes
na retina dos meus girassóis
o tempo mesmo há de trazer
na ronda lenta das estações
a eternidade dos crepúsculos
na ronda lenta das estações
a eternidade dos crepúsculos
1962
***
POEMA
construo de minutos
a perplexidade de todos os dias
a perplexidade de todos os dias
o vinho amargo-doce-rosa
que bebo cotidianamente
à mesa do meu suplicio
à vida crucifixo
que bebo cotidianamente
à mesa do meu suplicio
à vida crucifixo
noite
as estrelas ironizam
a vida
desorbitada
no céu pesado de remorsos
e desejos incontidos
a vida
desorbitada
no céu pesado de remorsos
e desejos incontidos
a culpa
a dor
se divinizam
noite de fada e gnomos,
atentai na minha vigília
a dor
se divinizam
noite de fada e gnomos,
atentai na minha vigília
eu não fui feito para suportar constelações
me quedo
19.6.63
***
O RIO
de tanto andar o mesmo caminho
(preso nas margens do tédio)
na ânsia de marazular
infinitivamente
(preso nas margens do tédio)
na ânsia de marazular
infinitivamente
ele se perde nos meandros
eu nos melindres
eu nos melindres
circun-eu-navego
circun-nós-vagamos
circun-nós-vagamos
em torno de nada
irmãos
1967
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HORA DA DECISÃO
“Eu não permitirei que a
amargura
apague a brasa do meu cigarro”
apague a brasa do meu cigarro”
Brecht
astros invisíveis comandam meu destino.
é certo. senão como não: ter aonde
levar a voz (romper silêncios)
o encontrar-se após as seis, no bar?
é certo. senão como não: ter aonde
levar a voz (romper silêncios)
o encontrar-se após as seis, no bar?
sou dono. sim, de minha liberdade,
com copyright, trademark e etc,
mas da pequena parte que disponho
só posso cometer o suicídio.
com copyright, trademark e etc,
mas da pequena parte que disponho
só posso cometer o suicídio.
saio de mim. dentro da noite escura
cigarros denunciam homens:
se não escolheram vida, morte não desejam.
cigarros denunciam homens:
se não escolheram vida, morte não desejam.
Ouço vozes, que não a minha, e gritam
a necessidade de cometer incêndio
a necessidade de cometer incêndio
...acendo calmamente o meu cigarro.
Moçoró,
13.11.66
***
ESPELHO
mar dúbio azul
convulsão de forma
limite e cor
retrato de mim inquieto
convulsão de forma
limite e cor
retrato de mim inquieto
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PARA G.
UM ANO E MEIO DEPOIS
UM ANO E MEIO DEPOIS
amar(te):
seguir um pássaro no vôo
seguir um pássaro no vôo
seu desenho
o olhar alcança
o olhar alcança
a mão
não
não
***
FRIBURGO
um rio corre
por entre muros
(um rio sujo)
por entre muros
(um rio sujo)
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TARDE DE OUTONO
é preciso não pensar
não quebrar a imobilidade
dos eucaliptos sobre a colina
não quebrar a imobilidade
dos eucaliptos sobre a colina
***
no trem brigg-basel
belo garoto de vincenza,
não sei o teu nome
nem jamais te tornarei a ver,
e nem que um dia, não muito tarde,
o tempo apagará tua imagem.
mas como eu quisera guardá-la
bem no fundo de minhas retinas
e conservar no coração
este breve tremor comovido quando penso em ti,
e que é belo, claro, leve e brilhante
como o sol de Veneza sobre as águas
sobre as cúpulas douradas.
não sei o teu nome
nem jamais te tornarei a ver,
e nem que um dia, não muito tarde,
o tempo apagará tua imagem.
mas como eu quisera guardá-la
bem no fundo de minhas retinas
e conservar no coração
este breve tremor comovido quando penso em ti,
e que é belo, claro, leve e brilhante
como o sol de Veneza sobre as águas
sobre as cúpulas douradas.
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11 de agosto — um sábado em 79
de manhã
abro o jornal do brasil e Hitler
me olha do caderno b
abro o jornal do brasil e Hitler
me olha do caderno b
às dez horas da noite no cine ricamar
fico pensando
como esses olhos de loucura
olhavam o mundo
fico pensando
como esses olhos de loucura
olhavam o mundo
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BRASÍLIA — O general-de-exército Henrique Beckman Filho,
chefe do Departamento Geral de Serviços do Exército, afirmou ontem que a disseminação
do uso de drogas e da prática do homossexualismo faz parte de uma campanha
existente no exterior com o objetivo de destruir os valores ocidentais.
(ÚLTIMA HORA — Rio de Janeiro, terça-feira, 26 de janeiro de
1982)
o que temo, general
é ser enquadrado
na lei de segurança nacional
somente por ser homossexual
é ser enquadrado
na lei de segurança nacional
somente por ser homossexual
se sou contra o regime?
por ser
magro
qualquer regime me enfastia
qualquer regime me enfastia
o que eu quero é comer mais
e,
na medida do possível,
Ser comido também
e,
na medida do possível,
Ser comido também
***
ah/ doce ilusão do amor/a emoção do corpo que vibra com o
universo/
fora disso não há salvação/
e a infância/ como um ratinho/ vai roendo a memória/ e não é como
a dura realidade/ mas cheia de brilhos e pés de ingá/ banhos de
açude e um dialeto que não se fala mais/ pedras roxas como batatas/
visão de deus na chuva/ andorinhas na torre/ vigílias da paixão/
sábados de aleluias/ e a beata como uma esfinge de negro na varanda
do sobrado/ a valsa triste tocada no clarinete/ e que era como uma
alma tristonha e desesperada/ mas sem desespero (de tão suave)/
às vezes como uma estranha invades meu território cotidiano na
hora mais inesperada/ ou como uma estrela cadente fulguras no
meio da noite/ sonho vizinho da morte que ronda pelas sacristias
e cheira no cheiro das velas/ e brilha no brilho das estrelas/
fora disso não há salvação/
e a infância/ como um ratinho/ vai roendo a memória/ e não é como
a dura realidade/ mas cheia de brilhos e pés de ingá/ banhos de
açude e um dialeto que não se fala mais/ pedras roxas como batatas/
visão de deus na chuva/ andorinhas na torre/ vigílias da paixão/
sábados de aleluias/ e a beata como uma esfinge de negro na varanda
do sobrado/ a valsa triste tocada no clarinete/ e que era como uma
alma tristonha e desesperada/ mas sem desespero (de tão suave)/
às vezes como uma estranha invades meu território cotidiano na
hora mais inesperada/ ou como uma estrela cadente fulguras no
meio da noite/ sonho vizinho da morte que ronda pelas sacristias
e cheira no cheiro das velas/ e brilha no brilho das estrelas/
eu não sou mais aquele poeta que chorava de emoção e beleza junto
ao mar/
***
NOVEMBRO
o verão se anuncia
gárrulo
nas cigarras
estridulo proparoxítono
de luminescências
gárrulo
nas cigarras
estridulo proparoxítono
de luminescências
explode em luz
ofusca
brusca lenta explosão
de sóis diminutos
lírios lilases íris
verdes vivazes
branco esplendor margaridas
brusca lenta explosão
de sóis diminutos
lírios lilases íris
verdes vivazes
branco esplendor margaridas
corpos
nus
o verão se denuncia
na sombra macia
árvore
na água fresca
riacho
na sombra macia
árvore
na água fresca
riacho
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ÚLTIMA NOTÍCIA
FOI SUFOCADA A LIBERDADE
POR SEUS DESASTRADOS GUARDIÃES
POR SEUS DESASTRADOS GUARDIÃES
foi ontem? Hoje?
será amanhã?
CHILE, ARGENTINA OU VIETNÃ?
será amanhã?
CHILE, ARGENTINA OU VIETNÃ?
já não sei mais: li no jornal
que 16 navios e 19.456 homens americanos
rondam a pequena terra de Cardenal
que 16 navios e 19.456 homens americanos
rondam a pequena terra de Cardenal
a primeira força-tarefa
é capitaneada pelo porta-aviões RANGER
que leva 70 aviões e comanda
o cruzador HORNE
— armado com mísseis —
o contratorpedeiro McCORMICK
— armado com mísseis teleguiados —
os contratorpedeiros FLETCHER e FIFE
a fragata MARVIN SHILDES
o navio-tanque WICHITA e
o cargueiro CAMDEN
é capitaneada pelo porta-aviões RANGER
que leva 70 aviões e comanda
o cruzador HORNE
— armado com mísseis —
o contratorpedeiro McCORMICK
— armado com mísseis teleguiados —
os contratorpedeiros FLETCHER e FIFE
a fragata MARVIN SHILDES
o navio-tanque WICHITA e
o cargueiro CAMDEN
a segunda força-tarefa
é comandada
pelo navio mais moderno da Marinha Americana
o couraçado NEW JERSEY
— armado com oito mísseis continentais —
o cruzador LEAHY
os contratorpedeiros BUCHANAN e ROBINSON
— todos os três com mísseis —
o contratorpedeiro INGERSOLL
e a fragata ROARK
é comandada
pelo navio mais moderno da Marinha Americana
o couraçado NEW JERSEY
— armado com oito mísseis continentais —
o cruzador LEAHY
os contratorpedeiros BUCHANAN e ROBINSON
— todos os três com mísseis —
o contratorpedeiro INGERSOLL
e a fragata ROARK
a terceira força-tarefa:
liderada pelo porta-aviões CORAL SEA
que transporta 70 aviões
os contratorpedeiros DAHGREN e CONYNGHAM
— armados com mísseis teleguiados —
as fragatas TRIPPE e DONALD B. BEARY
será a última a tomar posição
na região das manobras
que não deverão — foi declarado —
invadir as águas territoriais da NICARÁGUA
liderada pelo porta-aviões CORAL SEA
que transporta 70 aviões
os contratorpedeiros DAHGREN e CONYNGHAM
— armados com mísseis teleguiados —
as fragatas TRIPPE e DONALD B. BEARY
será a última a tomar posição
na região das manobras
que não deverão — foi declarado —
invadir as águas territoriais da NICARÁGUA
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