terça-feira, 15 de novembro de 2016

João Gualberto - Máquina de Lavar Poemas









Em 1973, João Gualberto ganhou o Prêmio Othoniel Menezes, na cidade de Natal, com "A máquina de lavar poemas". Abaixo alguns poemas do livro:


***

NA CIDADE O SONO NÃO DESPERTADOR
ESPETA VERDURAS E LEGUMES JAPONE
SES NO SUSTO DA VIDA DEVIDA OU
MORTA EM FIXOS NEGÓCIOS MÓVEIS NA
CALÇADA ONDE CHIQUITO CASEIRO MA
TA CARNEIROS TRISTES NA MADROGAD
A ÁLCOOL E BERROMORTES NAS MANHÃ
S DE ONTEM O FOOT-TIME DE CHUTE-
BALL AMÉRICA CENTRAL DO SUL LATE
RAL ONTA-ESQUERDA A VIDA LATINA

***

BOCAS E ESQUINAS E CÉREBROS
DOS MELHORES VAGALUMES VÃOS
VAGAM INDO INDO E VINDO E I
NDO E RINDO COMO O FANTASMA
NÃO ADIANTA TEMER O MEIO FI
O MEIO DIA MEIO DA CIDADE I
DA VIDA VINDA E VINDO AS LE
NTAS LENTARTARUGAS AS LENTA
S TARTACASCORUGAS DA PRINCI
PAL PRAÇA DO OVO CÍVICO REI
NADA VEZES NADA VEZES NADAS

***

NO MURO DO NORTE FINDOU
A SORTE DO REI DE OURO
NO RUMO DO SUL DEFINHOU
A MORTE DO REI DE OURO
NO SUMO DO LESTE FINDOU
O RESTO DO REI DE OURO
NA SOMA DO OESTE FINDOU
O CETRO DE REI DE OURO

***

ÁVIDA TÁBUA TABUADA MESA TAMBORETE PORRETE
A CAIXA REGISTRADORA DO NÃO SAIO DO MISERÊ
DO CINEMISERICÓRDIA CAIM ORAI POR MIM ORAI
POR MINNIE OLHAI POR NÓS OS NOSSOS NÓS DIS
CORDAS DO CINE-CONDOR DE CORDAS CONDUTORAS
DO CONDOMÍNIO DO MÉDIO MEDO CAIM ORAI CAIM

***


O KASTELL KEULEN, OS ÔNIBUS E OS POETAS PULLAM
CIRCULARES SERES COLETIVOS LOTADOS DE VELHAS FE
RRUGENS COLEVIVOS ENGASGADOS NO MÊNSTRUO DA AUR
ORA PÁRIDA EM METAL E ÁGUA E SAL MARINHA PAISAG
EM NAVAGANDO MAPAS PESCAVA UM FEIXE DE CARDUMES
ESCAMAS ALGAS CAMAS DE PEIXES DE ARAME FARPADOS
***


já na praia da redinha
ou seja, depois de igapó
há uma paisagem marinha
fendida, coberta de avelós

não somente uma marinha
que vestida de sal e cipó
do agreste mais se avizinha
embora com mangue e igapós

a paisagem é uma madrinha
ou muito mais: é uma avó
anciã rezando a ladainha
que rezam todas as avós

***

dorinha   d o r i n h a
d o r i n h a       andor
rinha dor   andorinha
dorinha  dorzinha
andorinha rinha dor
a dora anh ora
anh inha
a dor                     dor
                             inha
                            rinha
dorinha         dorinha
                   andorinha

***

chão caixão de capim
colo de terra ferida
restos de piquenique

***

maria, a lavadeira
lava os panos com amor.
joão, o estivador
bebe cana na ribeira.
maria, morena dor
sobre a saia na ladeira.
joão, o estivador
saca logo da peixeira.
maria, a lavadeira
desliga o televisor.
joão, da nua cadeira
não liga o seu amor.
maria, sim; é um amor.
lava cozinha a feira
esquece da vida o horror.
joão, vive de bobeira.
maria, a lavadeira
recebe o golpe com dor.
joão, o estivador
agora lava a peixeira.

***

pondo na mão este mamão coma a suave polpa podre
na mão ponha este copo beba de um gole este corp
o copo de mágoa líquida com as mãos, mudo acerte
o fim do mundo é cedo, muito cedo os urinóis est
ão nas sacadas expostos como os sacrários do fim

***

esquecido retornas munido de cicatrizes
e a cidade é o teu pouso e o rio te aco
berta a poesia metálica
esquecido permaneces inviolável renegas
as formas do medo nacional em tua geogr
afia
esquecido chegas cansado ao campo de fu
tebol em passes rápidos, os teus passos
ríspidos
esquecido em tua mão esquerda redescobr
es a chegança

***
UM BÊBADO
LÚCIDO BÊ
BADO ESCO
RRE NO VÔ
MITO UM P
EDAÇO DOS
CALOS SOB
A LINGUAG
EM HÁ MAI
S CALOS S
OB O COPO

***

OUÇO ELBA
BELA SELV
A ÁGUA FO
GO RELVAS
COISA SEL
VAGEM SEL
VAGEM COM
O ELA SEL
VAGENS DE
TÃO BELAS


***

Nenhum comentário: