Em uma matéria ao jornal Tribuna do Norte, em 2007, Sanderson Negreiros escreveu: "Toda minha geração, que amanhecia para uma existência cujo quase único compromisso era com uma solução estética, literária, encontrou não seu guru, mas alguém que, à custa de ter ido além do horizonte acanhado da província, fulgurava como medida além do equilíbrio das coisas. E Antonio Pinto desequilibrava realmente as fitas métricas da definição humana. Auto-destrutivo, rendeu de si, não uma mensagem existencial, mas uma exceção honrosa de ser, a partir de um destino construído entre contrastes e antíteses."
Antonio Pinto, nascido em Manaus, mas criado pelos arredores de Natal, foi um dos primeiros escritores da cidade de Natal a usar do verso livre na sua escrita, com um vocabulário de imagens poderosas, e também foi um importante crítico literário - recusando até mesmo uma cadeira na Academia Norte-riograndense de Letras, por se considerar "anti-acadêmico demais"- era conhecido como "O Terror do Intelectual Medíocre", que, ainda, segundo Negreiros: "Escrevendo sob o pseudônimo de Torquemada, teria sido injusto nos seus julgamentos se não fosse, antes de tudo, um rebelde a não aceitar a mesmice cultural como dom definitivo da província. Fez um trabalho decisivo em não aceitar que os medalhões dominassem com seu azinhavre o espaço de ingresso aos mais jovens.". Incentivava também novos autores em quem reconhecia talento, como foi o caso de Zila Mamede que o considerava um mestre. Publicou dois livros em vida, e tem um inédito, ainda a ser lançado.
Abaixo, alguns poemas de seu primeiro livro, "Um poeta Atôa":
***
MINUETO
Bailam diante de mim o desejo e o
tempo.
Mas o silêncio — luto fechado —
Acabou de sepultar um de seus mortos.
E aquelas ondas inquietas
Não viram a face parada
Nem o véu imóvel.
As sombras e os livros nem despertaram
Para o réquiem
E até o céu é um deserto de cinzas.
Mas o silêncio — luto fechado —
Acabou de sepultar um de seus mortos.
E aquelas ondas inquietas
Não viram a face parada
Nem o véu imóvel.
As sombras e os livros nem despertaram
Para o réquiem
E até o céu é um deserto de cinzas.
***
DELÍRIO
Despertaram o silêncio
E ataram-no pés e mãos.
Trouxeram as cinco dimensões
E Portinari e os painéis.
Mergulhou na estrela menor
O olho que sangrava.
Transparente transparente
A mulher que não devia ter vindo
E foi parar na fogueira
Por ter desejado o anjo da guarda
(Perdoai-lhe, Senhor !).
Rondó alla turca arlequinando
O miserere mei, Deus.
E o pó embalsamando a alma alquebrada,
Que dormira sozinha no antiteatro abandonado.
E o bailado das três flores secas, secas.
***Trouxeram as cinco dimensões
E Portinari e os painéis.
Mergulhou na estrela menor
O olho que sangrava.
Transparente transparente
A mulher que não devia ter vindo
E foi parar na fogueira
Por ter desejado o anjo da guarda
(Perdoai-lhe, Senhor !).
Rondó alla turca arlequinando
O miserere mei, Deus.
E o pó embalsamando a alma alquebrada,
Que dormira sozinha no antiteatro abandonado.
E o bailado das três flores secas, secas.
ELEGIA DA
CARNE DE CARMEN
Tiraram
Carmen do ventre das ondas
Numa tarde como outra qualquer.
Um resto de vida sem cor era Carmen
Quando a tiraram do ventre das ondas.
Onde estão agora os passos perdidos,
Numa tarde como outra qualquer.
Um resto de vida sem cor era Carmen
Quando a tiraram do ventre das ondas.
Os olhos incertos e os gestos de afago
Vendidos à tôa, por preço qualquer,
Na feira livre dos passos perdidos?
Vendidos à tôa, por preço qualquer,
Na feira livre dos passos perdidos?
Que será
feito das mãos indecisas,
Das seios, das tranças, dos lábios, do ventre,
Da carne de Carmen que o mundo explorou
Das seios, das tranças, dos lábios, do ventre,
Da carne de Carmen que o mundo explorou
No fogo das
lutas em leitos de amor?
Por que ressurgir no vale da morte,
A busca da alma, como outra qualquer?
***Por que ressurgir no vale da morte,
A busca da alma, como outra qualquer?
SONETO À TÔA
A morte ha de vendar-me os olhos rebelados
E me transformará, com um riso de mofa,
Numa velha caricatura boschimana.
E me transformará, com um riso de mofa,
Numa velha caricatura boschimana.
Passarei do ser ao não ser e o encantamento
De outras paisagens vai fazer de mim
Um confuso turista de outras vidas.
De outras paisagens vai fazer de mim
Um confuso turista de outras vidas.
Plantar-me-eis pobre e nu como nasci.
E ao primeiro dia voltarei, com o tempo.
As chuvas serão prodigas e a terra avara
E sábia não fará brotar a semente inútil.
E ao primeiro dia voltarei, com o tempo.
As chuvas serão prodigas e a terra avara
E sábia não fará brotar a semente inútil.
Nascerão flores e os ciprestes vetustos
Hão de cumprir a missão de matar o tédio
Da imobilidade e do silêncio atroz,
Embora eu desejasse música para violinos.
***Hão de cumprir a missão de matar o tédio
Da imobilidade e do silêncio atroz,
Embora eu desejasse música para violinos.
ODE À PROSTITUTA SOFIA QUE SE MATOU NO
MAR
Satanicamente bucólica a paisagem
Perdoe-me, mas todas as flores se abriram
E os sons orvalham até a alma trapistadaquele maníaco que acredita
Qual será a cor desta hora perdida?
Veja imóvel aquela sombra de face no muro grisalho
E não ame para não quebrar a paz.As ondas acordaram cobrindo o cadáver de Sofia
A que vendeu a alma e o corpo
E a fita desbotada que ainda lhe prende os cabelos.
Ninguém escreverá sobre as águas castas
Um epitáfio. Nem o nome sequer.
Estão perdidos todos os segredos das noites antigas.
Satanicamente bucólica a paisagem.
Não ame para não quebrar a paz.
*** POEMA DO DESEJO IMPOSSÍVEL
Quero as lágrima perdidas E os risos perdidos Os riso inúteis E as lágrimas de sal.
Quero os versos à tôa E a fé que herdei, A fé que perdi E os versos à tôa.
Quero de novo o sentido da vida E a alegria mãe, A alegria extinta E o sentido da vida que eu próprio matei. Mas quero sobretudo as bolhas de sabão.
***
POEMA SEM TÍTULO
E mesmo que a música se extinga,
Mesmo que para todo o sempre ela se extinga
(que eu não veja quebrados os alaúdes e as harpas
nas águas dos rios que por Babilônia vão),
Quando desaparecerem os sinais de sua passagem,
Quando o fim e o princípio se confundam
Num abraço de morte,
Mesmo que a luz se extinga,
Mesmo que para todo o sempre ela se extinga,
Eu voltarei peregrino do mesmo caminho.
***
O QUE AINDA NÃO É O MEU POEMA ALEGRE
Cada canto do mundo terá um turista.
Os berços sonharão com o bosque da lenda
Que o tempo quis extinguir.
A luz descerá sobre o estigma de todas as vidas
Mas nascerá das chamas um novo fénix.
A noite até ouvirá todas as canções antigas.
Não banharei, talvez, em sangue, meus lábios roxos,
Mas haverá um gosto infinito de lágrimas por ai.
***
POEMA DA CANÇÃO PERDIDA
Não lhe farão coro as águas escravas
Nem as nuvens libertas
Nem o eco dos ais perdidos
Nem o vento dissoluto e nu.
Tombará no vácuo inútil
Sem caminhos e sem abrigo
Como um desejo morto.
***Nem as nuvens libertas
Nem o eco dos ais perdidos
Nem o vento dissoluto e nu.
Tombará no vácuo inútil
Sem caminhos e sem abrigo
Como um desejo morto.
ENIGMA NÚMERO 1
Mas o diálogo não haverá. Andarilhos
estranhos
Caminharemos dentro das horas em estranha aventura.
A luz que me embalsama dar-lhe-á infinitos tamanhos
E pesará sobre mim a profunda tortura
Caminharemos dentro das horas em estranha aventura.
A luz que me embalsama dar-lhe-á infinitos tamanhos
E pesará sobre mim a profunda tortura
De ser um. Copiará descuidada todos os
meus gestos.
Imitará minhas formas em trejeitos de deboche
E não gastará os músculos mortos e os membros infestos
De fantasma irrequieto ou cínico fantoche
Imitará minhas formas em trejeitos de deboche
E não gastará os músculos mortos e os membros infestos
De fantasma irrequieto ou cínico fantoche
Banharei em suor seu corpo sem alma
E amargará minha boca. O sangue e a caridade
Não a tocarão. E o cansaço de todos os homens não vira.
E amargará minha boca. O sangue e a caridade
Não a tocarão. E o cansaço de todos os homens não vira.
Baquearei ante a morte. Indiferente e
calma
Retornará, também, para o nada ou a eternidade,
Como eu sem migalhas de bem. Mas o diálogo não haverá.
Retornará, também, para o nada ou a eternidade,
Como eu sem migalhas de bem. Mas o diálogo não haverá.
***
HISTÓRIA DO CAVALO NÚMERO 7
Pois a vida secou como uma tísica
E a força magica dos olhos absortos
Fez do mundo quase um ponto geométrico,
Enquanto os braços inquietos pediam o fim.
Tragam asas para o cavalo número sete
E uma rima para o amor.
E a força magica dos olhos absortos
Fez do mundo quase um ponto geométrico,
Enquanto os braços inquietos pediam o fim.
Tragam asas para o cavalo número sete
E uma rima para o amor.
***
POEMA DO TRANSFIGURADO
E se nada acontecer?
Se os rostos deformados e os sentidos mendigos,
Os olhos famintos e as mãos que interrogam,
A carne que sangra desejos
E afoga a regeneração,
Se transformarem na cinza das ausências
E a dúvida acenar, ainda,
Como um profeta maior?
Se o silêncio pesar, como o remorso,
Sobre o grito de angústia
E a esfinge recolher o pranto e o riso do transfigurado?
Se abortarem todos os sonhos
E ele purificar os lábios no próprio sangue
E nada acontecer?
Se os rostos deformados e os sentidos mendigos,
Os olhos famintos e as mãos que interrogam,
A carne que sangra desejos
E afoga a regeneração,
Se transformarem na cinza das ausências
E a dúvida acenar, ainda,
Como um profeta maior?
Se o silêncio pesar, como o remorso,
Sobre o grito de angústia
E a esfinge recolher o pranto e o riso do transfigurado?
Se abortarem todos os sonhos
E ele purificar os lábios no próprio sangue
E nada acontecer?
***
ELEGIA DOS OLHOS DE HILDA
I.
Mergulhou, porém, na noite, como as
outras sombras,
Entregue ao abandono ansiado pelas mães
Nas horas de vigília.
Entregue ao abandono ansiado pelas mães
Nas horas de vigília.
Reina a paz das ausências infinitas
Envolvendo a insônia dos grandes mutilados
E o nojo cansado das alcovas,
Enquanto o vento amortalha o silêncio e os pensamentos turvos,
As pedras repousam sem a carícia dos passos anônimos
E as raízes repisam a inveja dos libertos.
Envolvendo a insônia dos grandes mutilados
E o nojo cansado das alcovas,
Enquanto o vento amortalha o silêncio e os pensamentos turvos,
As pedras repousam sem a carícia dos passos anônimos
E as raízes repisam a inveja dos libertos.
O encontro divino com a face pálida e
fiel
Traz o calor das lágrimas ardentes
Dos olhos inúteis que não nasceram nunca.
Traz o calor das lágrimas ardentes
Dos olhos inúteis que não nasceram nunca.
II.
Mortos os noturnos heroicos e os
túmulos,
A sombra parada no muro e a pedra banhada de pranto.
Não tem cor o véu das mulheres do Cairo.
A sombra parada no muro e a pedra banhada de pranto.
Não tem cor o véu das mulheres do Cairo.
Os trens hão de passar sem bandeirolas
E as velas nunca surgirão das águas.
E as velas nunca surgirão das águas.
Pierrot e Arlequim trarão as mesmas
máscaras
E dançarão perdidamente como fantasmas gêmeos.
E dançarão perdidamente como fantasmas gêmeos.
O encontro divino com a face pálida e
fiel
Traz o sabor das lágrimas ardentes
Dos olhos inúteis que não nasceram nunca.
Traz o sabor das lágrimas ardentes
Dos olhos inúteis que não nasceram nunca.
***
ÂNCORAS PERDIDAS AS RAÍZES
E eu, entretanto, não desejo o mar.
Não quero ver na lamina inquieta
o voo narciso e o supremo orgulho
Correndo em busca das limitações.
Soltas, bêbedas, âncoras perdidas as raízes.
Não, não desejo o mar.
Não quero ver na lamina inquieta
o voo narciso e o supremo orgulho
Correndo em busca das limitações.
Soltas, bêbedas, âncoras perdidas as raízes.
Não, não desejo o mar.
Meus olhos vitrais partidos
Não poderão guardar o adeus branco branco
Nem quererão suster as duas lágrimas
As duas que serão anônimas para sempre
Nem possuirão a carne da última que sentiram.
Não poderão guardar o adeus branco branco
Nem quererão suster as duas lágrimas
As duas que serão anônimas para sempre
Nem possuirão a carne da última que sentiram.
Não, não desejo o mar.
Para sempre incompleta e exausta a paisagem
Não guardará os meus passos sobre as ondas
E apagará a sombra que eu hei de ser.
Não, não desejo o mar.
***Para sempre incompleta e exausta a paisagem
Não guardará os meus passos sobre as ondas
E apagará a sombra que eu hei de ser.
Não, não desejo o mar.
CONFISSÃO
Sou incômodo e inútil, meus irmãos.
Mas não vos cansarei com outros versos.
Dai-me somente a estrofe que procuro
E eu partirei,
Sem que jamais vos decifrem
Meu último pensamento
***
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