terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Nei Leandro de Castro - Musa de Verão

[desenho da capa por josef menyhart]

Publicado em 1984, numa edição bonita e de um acabamento encorpado, pela extinta Edições Clima, é descrito no prefácio, de Manuel Fernandes Volonté, como um livro de "poesia metacrítica, irônica, sarcástica e estranha.", Abaixo, alguns poemas do livro:*

* - agradecimentos ao Sebo Vermelho pelo apoio e empréstimo do livro.


***

Nunca mais

Uma corva
meio à Allan Poe
pôs seus ovos de ferro
neste amor.

***

Paisagem vista da cama

Visto deste ângulo
o teu sexo
é flor aberta
escancarada
que se move
semovente
de encontro
a um macro caule
por onde escorre o leite
da mulher amada.

***

Erótica

Minha mina
veste meias vermelhas
até a altura
do joelho
não raspa as axilas
e arranca um pentelho
da virilha
que é uma maravilha.

***

Saudade

Penso em você
com tanta ternura
que chego a achar
imoral
essa coisa dura.

***
Anaïs

Explora com a língua
à francesa
as nervuras do papel.
Torna a cona
(i)cônica.
Diz ao falo:
— Fala!

Belanaïs:
penetro em você
até a raiz
e me embalo.

***

Made in Brazil

Oh my God!
explodes bilíngue
quando te percorro
com a minha língua.

***

Massagem

Hoje o meu ego
amanheceu
com osteoporose
cervical.
Logo ali
naquele lugar
onde não posso
massagear.

***

Quase à maneira de F.P

Coma chocolate,
menina,
coma chocolate.
Você vai ver
pela tevê
o quanto lhe sobra
de dentes
enquanto sobem
os lucros da Nestlé.

***

E eu?
                                                                               Para A. de O.C

Sófocles disse: Maravilhas há muitas, mas
                               nenhuma tão estranha e ter-
                               rível como o homem.
Shakespeare disse: Os homens estão nas mãos
                               dos deuses como moscas nas
                               mãos das crianças. Brincam
                               com eles até esmaga-los.
Shelley disse: os poetas são os legisladores
                               não reconhecidos pelo mundo.
Prudhomme disse: Deus é tudo o que me falta
                               para compreendê-lo .
Napoleão disse: Construo meus planos de
                               batalha com os sonhos de
                               meus soldados adormecidos.
Brecht disse: Muitos reclamam contra a vio-
                               lência das águas do rio/ mas
                               ninguém fala da violência das
                               margens que o comprimem.
Fernando Pessoa disse: O mais do que isto/
                               é Jesus Cristo/ Que não sabia
                               de finanças/ Nem consta que
                               tivesse biblioteca.
E eu, porra, não digo nada?

***

Arte pela arte

O poeta oficial
tão circunstancial
tão ars gratia artis
tão casmurro.
o máximo a que chega
é sentar sobre os colhões
leão da metro
e soltar urros.

***

Academia de letras
O poeta-decassílabo-perfeito
exibe a imortal figura magra
entre bolinhos, chá, frases de efeito.
Mesmo imortal, já é quase uma vaga.


***

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